No dia 14 de janeiro de 2015, uma quarta-feira, decidi estudar o assunto da ordenação de mulheres por conta própria. Afinal de contas, minha igreja está engajada em um conflito titânico sobre este assunto. Quando comecei meus estudos, fiquei imaginando o que eu descobriria se eu pusesse de lado minhas opiniões sobre o tema e simplesmente examinasse o que a Bíblia e os escritos de Ellen White teriam a dizer sobre ele. Seja lá o que fosse o que eu viesse a descobrir, de uma coisa eu estava certo: a igreja deveria seguir o ensinamento bíblico sobre essa questão, então eu precisava descobrir qual ele era.
Meu nome é Ty Gibson. Sou um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, batizado para fora do mundo à tenra idade de 18 anos. Deste ponto em diante, eu dediquei a minha vida adulta inteira ao ministério em tempo integral. Sou codiretor do Light Bearers [Portadores de Luz], um ministério evangelístico baseado no estado de Oregon. O Light Bearers desfruta de um relacionamento de trabalho extremamente positivo e produtivo com os líderes e membros da Igreja ao redor do globo. Nós já distribuímos mais de meio bilhão de publicações evangelísticas gratuitamente a Associações, Uniões e Divisões ao redor do planeta. Este material, traduzido em mais de 40 línguas, fielmente apresenta o conteúdo doutrinário integral da mensagem adventista centralizado em Cristo. Eu também sou pastor na Associação do Oregon.
Avançando rápido. Após seis meses de estudo, cheguei a algumas claras conclusões. No início, eu imaginei que o que eu iria descobrir apoiaria a visão que eu já possuía. O que eu realmente acabei descobrindo, no entanto, é que eu estava equivocado em algumas das coisas que eu acreditava que a Bíblia ensinasse sobre o assunto de ordenação de mulheres. Quando eu comecei a ler, ler e reler, eu passei por uma série de transições no meu modo de pensar, sob a direção da Palavra de Deus.
Qualquer que seja a sua posição neste momento, se você crê seriamente na inspiração da Bíblia e nos escritos de Ellen White, gostaria de sugerir que você deve a si mesmo e à sua igreja levar em consideração as informações históricas e perspectivas bíblicas que seguirão. E se você for um delegado da Sessão da Conferência Geral de 2015, gostaria de urgente e humildemente lhe pedir, como seu irmão em Cristo, que você leia este pequeno livro à sua frente antes de votar contra ou a favor a ordenação de mulheres.
Agora, quero convidá-lo a respirar fundo, oferecer uma oração sincera por iluminação e abrir sua mente à direção do Espírito Santo. Esta é, afinal, a única postura apropriada que temos diante de Deus.
O FORMATO DO PROBELMA
Nossa Igreja está enfrentando uma severa crise que ameaça causar uma dolorosa divisão entre nós. Nesta próxima Sessão da Conferência Geral em San Antonio, Texas, uma votação será realizada sobre a questão da ordenação de mulheres. O resultado será um dos seguintes:
- Um SIM autorizará cada uma das 13 Divisões mundiais da Igreja a decidir o que é o melhor a ser feito com relação à ordenação de mulheres em sua região específica do mundo, ao mesmo tempo que não obriga nenhuma Divisão, União, Associação ou igreja local a ordenar mulheres.
- Um NÃO rejeitará a proposta que permite a cada Divisão decidir o que é o melhor para a sua região do mundo com relação à ordenação de mulheres. Um NÃO também será interpretado por alguns de seus defensores como uma regra universal que proíbe a ordenação de mulheres em toda a Igreja Adventista do Sétimo Dia, embora esta interpretação deverá ser contestada e debatida nos próximos anos.
As vozes proeminentes a favor do NÃO nos dizem que a Bíblia claramente proíbe a ordenação de mulheres para o ministério evangélico, e que a permissão da ordenação de mulheres implicará na infidelidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia às Escrituras e a Deus.
As vozes proeminentes a favor do SIM nos dizem que a Bíblia não proíbe a ordenação de mulheres e que, portanto, a Igreja é livre para decidir o que ela julgar melhor quando a questão for o avanço do evangelho.
Ambos os lados da questão estão empreendendo seus esforços − sem sombra de dúvidas de que com sinceridade diante do Senhor − para descobrir e seguir aquilo que a Bíblia ensinar sobre este assunto, e ambos os lados são corresponsáveis pela ameaça de divisão que a Igreja agora enfrenta.
Um resultado da votação a favor do NÃO tem o potencial de dividir a Igreja Adventista do Sétimo Dia a nível denominacional, possivelmente levando à separação de algumas Uniões do restante da Igreja mundial.
Um resultado da votação a favor do SIM provavelmente não produzirá uma divisão denominacional, mas possivelmente fará com que alguns membros sintam-se obrigados a cortar seus laços com a Igreja Adventista do Sétimo Dia, especialmente aqueles que entenderem que este tema é um caso de fidelidade versus infidelidade a Deus.
Para dizer o mínimo, esta é uma questão muito significativa para a nossa amada Igreja. É imperativo, em nosso esforço de seguir fielmente as Escrituras, que nós pensemos sobre a nossa decisão cuidadosamente e decidamos em nossos corações fazer aquilo que for o melhor para a glória de Deus, a unidade de Sua Igreja e o avanço do evangelho. Decididamente, eu não quero aumentar ainda mais a confusão, nem tampouco tenho interesse em advogar para qualquer dos dois lados do debate, mas eu tenho algo a dizer que eu realmente não vejo sendo dito, algo que eu acredito que seja vital e que pode fazer toda a diferença para os membros sinceros da Igreja que simplesmente desejam:
- permanecer fiéis às Escrituras;
- e, ao mesmo tempo, “preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz”.
Avaliando as opções de voto acima, o caminho mais rápido para entender qual é o melhor a ser feito pela Igreja consiste em responder uma pergunta fundamental e imprescindível: a Bíblia endossa somente a ordenação de homens e/ou proíbe a ordenação de mulheres?
Se ela o fizer, então estaremos lidando com um problema claro de ortodoxia doutrinária e um imperativo moral, onde a ordenação de mulheres constituiria em infidelidade às Escrituras e rebelião contra Deus. Caso a Bíblia não o faça, então a Igreja deve ser livre para fazer aquilo que julgar melhor para o avanço do evangelho, e aqueles que estiverem elevando esta questão ao nível de verdade probante estão tratando como divisivo algo que a Bíblia não o faz.
Vamos dirigir-nos, portanto, à pergunta em questão, começando com um pouco de pano de fundo histórico.
PANO DE FUNDO HISTÓRICO
A seguinte recomendação foi apresentada diante da Sessão da Conferência Geral de 1881:
“Resolvido que as mulheres que possuem as qualificações necessárias para ocupar esse cargo podem, de maneira perfeitamente apropriada, ser separadas pela ordenação para a obra do ministério cristão” (Review and Herald, 20 de dezembro de 1881).
Aparentemente, este não é um assunto novo para nós como um povo. Desde seu início e até o ano de 1881, o Movimento Adventista possuía mulheres engajadas no ministério. Esta realidade prática foi o que motivou a recomendação transcrita acima. Não foi o resultado do movimento feminista tentando invadir a igreja. Esta recomendação também não foi promovida por incursões da cultura secular popular. Ela simplesmente surgiu como um reconhecimento de algo que estava acontecendo: mulheres adventistas estavam pregando o evangelho.
Ellen White não pôde participar da Sessão da Conferência Geral de 1881, devido, em grande medida, ao fato de que seu marido, Tiago, acabara de falecer em agosto daquele ano. Seu filho Willie, no entanto, pôde participar da sessão. Ele relatou a dinâmica política que testemunhou, descrevendo dois grupos em desacordo entre si—um, “progressista”, e outro, “conservador”. (Carta de W.C. White para Mary White, 2 de dezembro de 1881, White Estate, Arquivo da Conferência Geral). Após ter sido discutida, a recomendação não foi votada, mas encaminhada a um pequeno comitê formado por três homens, e este foi o seu fim.
Embora Ellen White não tenha comparecido à Sessão da CG de 1881, pouco tempo depois, em seu artigo à Review and Herald do dia 4 de abril de 1882, ela deliberadamente republicou algo que havia escrito no ano anterior:
“Se há um trabalho mais importante do que outro, é o de colocar nossas publicações perante o público, levando-o assim a examinar as Escrituras. A obra missionária — introduzir nossas publicações nas famílias, conversar e orar com e por elas — é uma boa obra, e que educará homens e mulheres para fazerem trabalho pastoral” (Review and Herald, 4 de abril de 1882; publicado pela primeira vez em Testemunhos para a Igreja, vol. 4, p. 390).
Por esta, você provavelmente não esperava − e eu também não. Ellen White vislumbrou mulheres em algum tipo de ministério pastoral. E, por favor, faça uma pausa para entender a importância do contexto histórico no qual a declaração acima foi feita. Uma proposta para que mulheres pudessem “ser separadas pela ordenação para a obra do ministério cristão” acabara de ser apresentada diante da Sessão da Conferência Geral. Então, com esta recomendação ainda fresca na mente dos adventistas, Ellen White declara na revista oficial da Igreja que mulheres, bem como homens, poderiam “[fazer] trabalho pastoral”.
Note também que o assunto principal de seu artigo era a necessidade de fazer circular literatura evangelística por meio do trabalho de porta-a-porta. Mas então ela desvia-se do assunto principal sem nenhum motivo aparente — a menos que você soubesse que a liderança da Conferência Geral estava naquele mesmo momento ponderando sobre a questão de se as mulheres poderiam ou não ser ordenadas — e simplesmente lança este breve comentário declarando que a participação no ministério da colportagem “[educaria] homens e mulheres para fazerem trabalho pastoral”.
Esta declaração indica, pelo menos, que Ellen não se opunha à recomendação de 1881 em favor da ordenação de mulheres. Caso ela o fizesse, teria sido imprudente de sua parte ter feito este comentário no contexto imediato de uma recomendação em favor da ordenação de mulheres para “a obra do ministério cristão”. Além do mais, seria inconcebível imaginar que Ellen White não teria alertado os irmãos da Conferência Geral a não aceitar a recomendação para a ordenação de mulheres se, de fato, ao fazê-lo, eles estariam incorrendo em infidelidade para com as Escrituras e rebelião contra Deus. Mas ela não o fez. Na verdade, ela apontou algo na direção oposta, justamente à época em que este assunto estava sendo considerado.
Alguns têm tentado negar a importância da declaração de 1882 ao dizer que ela estava apenas usando o termo “trabalho pastoral” como sinônimo para a colportagem. Contudo, o leitor atento notará que o seu argumento era justamente que o trabalho da colportagem proveria a educação necessária à transição para o ministério pastoral.
Não, a declaração de 1882 não constitui um apelo direto da parte de Ellen White para ordenar mulheres ao ministério evangélico. Poder-se-ia argumentar que ela aceitaria mulheres fazendo trabalho pastoral conquanto isto não envolvesse ordenação. Parece justo. De qualquer forma, não queremos extrair do texto mais do que ele realmente diz. No entanto, o que ele de fato nos diz é que Ellen White vislumbrou ambos “homens e mulheres” engajados em “trabalho pastoral”, e ela fez esta declaração sem estipular nenhuma restrição, e a fez no contexto histórico imediato à Conferência Geral onde uma recomendação à ordenação de mulheres foi apresentada.
Aqui seria um bom momento para fazer uma pausa e perguntar-nos a nós mesmos se realmente queremos saber o que a Bíblia e Ellen White de fato falam sobre este assunto, e pedir ao Senhor para inundar as nossas almas com objetividade e honestidade.
Em 1901 Ellen White fez uma segunda declaração sobre mulheres ocupando a posição pastoral:
“Todos os que desejem uma oportunidade para o verdadeiro ministério, e que se dêem sem reservas a Deus, encontrarão na colportagem ocasiões de falar sobre muitas coisas pertencentes à futura vida imortal. A experiência assim adquirida será de grandíssimo valor para os que estão se preparando para o ministério. É a assistência do Espírito Santo de Deus que prepara os obreiros, homens e mulheres, para se tornarem pastores do Seu rebanho” (Testemunhos para a Igreja, vol. 6, p. 322).
Esta é basicamente uma repetição da declaração de 1882, só que desta vez ela diz que ambos “homens e mulheres” podem “[tornar-se] pastores do Seu rebanho“. A palavra “rebanho” é um termo simbólico para a igreja de Deus, indicando especificamente uma congregação local de crentes. Claramente, portanto, Ellen White vislumbrava tanto homens quanto mulheres ocupando a posição pastoral em congregações locais. Novamente, assim como o fazem com a declaração de 1882 sobre este assunto, vozes proeminentes do atual debate simplesmente descartam esta declaração como se ela fosse de nenhuma relevância para o assunto em questão. “Ela estava simplesmente usando a palavra ‘pastor’ como um sinônimo de colportor”, eles argumentam. No entanto, este claramente não é o caso, pelo menos não nesta declaração em particular. Ela nitidamente diz que o trabalho da colportagem serviria como uma preparação para que tanto homens quanto mulheres pudessem “[tornar-se] pastores do Seu rebanho”. A primeira categoria de serviço seria uma preparação para a segunda.
Contudo, se isto não ficou claro o bastante, nos dois parágrafos seguintes a esta declaração Ellen White remove todas as dúvidas com relação à sua intenção. Depois de afirmar que o trabalho da colportagem poderia servir como uma preparação para homens e mulheres se “tornarem pastores do Seu rebanho”, ela emitiu uma ressalva. Certos ministros estavam dizendo a alguns colportores que, ao invés de permanecerem na colportagem, eles deveriam engajar-se no ministério do púlpito e tornar-se pregadores. Ela alertou contra a atração de colportores ao ministério pastoral, explicando que alguns que estavam fazendo o trabalho da colportagem deveriam, de fato, permanecer ali, pois este era o seu dom. Então ela fez um apelo para que cada indivíduo, homem ou mulher, fizesse a escolha entre permanecer na obra da colportagem ou partir para o ministério pastoral com base não nas palavras lisonjeiras dos que lhes diziam que deveriam tornar-se pregadores, mas sim com base na avaliação de seus dons e chamado individuais. É evidente, portanto, que Ellen White estava tratando o trabalho da colportagem e o trabalho pastoral como duas categorias distintas, o que torna evidente o fato de que ela estava explicitamente dizendo que mulheres, assim como homens, são elegíveis para ambos os serviços.
Também em 1901, Ellen White fez um apelo veemente aos obreiros e, no decorrer de seu discurso, ela mencionou que ambos “homens e mulheres…irmãos e irmãs” são chamados para ser “sacerdotes do Senhor” e “ministros do nosso Deus”. Note a progressão de seu raciocínio e a referência bíblica na qual ela está se apoiando:
“Se homens e mulheres agissem como a mão ajudadora de Deus, praticando atos de amor e bondade, erguendo os oprimidos, resgatando aqueles que estão prestes a perecer, a glória do Senhor seria sua recompensa…
“Cristo disse de sua obra, ‘o Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres;…
“Despertai, despertai, meus irmãos e irmãs. Vocês devem realizar a obra que Cristo realizou quando Ele esteve sobre esta Terra. Lembrem-se que vocês podem agir como a mão ajudadora de Deus, abrindo as portas das prisões daqueles que estão cativos. Maravilhosa é a obra que Deus deseja realizar através de seus servos, para que Seu nome seja constantemente glorificado. Ele está aguardando para agir através de Seu povo. Aqueles que desejam ser usados obterão rica experiência, uma experiência plena da glória de Deus….
“Daqueles que agem como Sua mão ajudadora, o Senhor declara: ‘vós sereis chamados sacerdotes do SENHOR, e vos chamarão ministros de nosso Deus” (Ellen White, Review and Herald, 15 de outubro de 1901).
A passagem bíblica que ela está citando está em Isaías 61. É uma profecia sobre o ministério no qual o Messias se engajaria. Nós geralmente estamos familiarizados com a parte da profecia que Jesus aplicou a Si mesmo. Mas Ellen White vai além e cita a parte da profecia com a qual a maioria de nós não está familiarizada, a parte em que Isaías prevê a formação da igreja do Novo Testamento seguindo a trilha do ministério do Messias:
“Vós sereis chamados sacerdotes do SENHOR, e vos chamarão ministros de nosso Deus” (Isaías 61:6, ARA).
Um dos argumentos utilizados contra a autorização da ordenação de mulheres é que os sacerdotes do Antigo Testamento eram todos do sexo masculino. Portanto, conclui-se, apenas homens podem ocupar a posição pastoral na igreja. O problema com este argumento é que ele falha em reconhecer que dentro da narrativa bíblica, o sacerdócio levita do Antigo Testamento dá lugar ao sacerdócio do Novo Testamento de todos os crentes. Isaías 61 é uma profecia que especificamente prediz essa transição. O que Ellen White fez com Isaías 61 é bastante esclarecedor. Ela cita a profecia, invocando a linguagem do “sacerdote” e “ministro”, e aplicando-a tanto aos irmãos quanto às irmãs, homens e mulheres, no âmbito da igreja. Isso é de extrema importância, porque demonstra, inequivocamente, que a profecia bíblica vislumbra o corpo de Cristo como um sacerdócio de todos os crentes, e Ellen White simplesmente assumiu que a profecia apontava tanto para homens quanto para mulheres ocupando o papel sacerdotal e ministerial da igreja cristã.
Novamente, como na declaração de 1882, estas duas declarações de 1901 não são um apelo direto para a ordenação de mulheres. Mas elas nos revelam que Ellen White vislumbrava mulheres, assim como homens, engajadas na função ministerial, pastoral e sacerdotal. Adicionalmente, é de suma importância ressaltar que no âmbito de todas as 25 milhões de palavras escritas pela autora, Ellen White nunca fez uma única declaração dizendo que mulheres deveriam ou não deveriam ser ordenadas ao ministério pastoral.
Agora, vamos proceder ao exame daquilo que a Bíblia diz sobre este tópico. O caso contra a ocupação, por mulheres, da função pastoral ordenada se apoia largamente em dois argumentos principais:
- A declaração “esposo de uma só mulher” de Paulo em 1 Timóteo 3, no contexto de sua declaração sobre a ordem da criação em 1 Timóteo 2 (também em Tito 1: 5-9).
- As declarações de Paulo do homem como o “cabeça da mulher” em 1 Coríntios 11.
Vamos analisar ambos cautelosa e objetivamente.
ESPOSO DE UMA SÓ MULHER
Quando indagados pela passagem bíblica mais direta e explícita contra a ordenação de mulheres, os defensores desta posição apontam para a declaração de Paulo em 1 Timóteo 3:2:
“É necessário, portanto, que o bispo (gr. episkopos) seja irrepreensível, esposo de uma só mulher…” (ARA)
O ponto de Paulo aqui, nós somos informados, é que o bispo (aquilo que nós geralmente chamamos de pastor) deve ser do sexo masculino, porque o pastor precisa ser um esposo. No entanto, há pelo menos duas boas razões hermenêuticas graças às quais podemos ter certeza de que este não era o ponto de Paulo.
Em primeiro lugar, nesta mesma passagem, alguns versos adiante, Paulo diz: “o diácono (gr. diakonos) seja marido de uma só mulher” (1 Timóteo 3:12, ARA), e então ele se dirige aos crentes em Roma dizendo: “recomendo-vos a nossa irmã Febe, serva (diakonos) da igreja em Cencréia” (Romanos 16:1, NVI).
Um princípio muito importante e saudável de um estudo bíblico responsável é o seguinte:
“Para entender sobre doutrinas, reúna todas as Escrituras sobre o assunto que você deseja entender, então permita que cada palavra exerça sua própria influência, e se você puder formar sua teoria sem nenhuma contradição, então você não estará em erro”. (Guilherme Miller)
Este princípio foi ecoado nos Métodos de Estudo da Bíblia oficiais votados no Concílio Anual da Conferência Geral de 1986:
“Reconheça que a Bíblia é sua própria intérprete e que o significado das palavras, textos e passagens são melhor determinados pela comparação diligente da Escritura com a Escritura… O leitor deve permitir que cada escritor bíblico surja e seja ouvido, ao passo que simultaneamente reconhece a unidade básica da auto-revelação.”
Façamos uma pausa, e, então, consideremos cuidadosamente a comparação das duas passagens à nossa frente. A Timóteo, Paulo diz que o episkopos e o diakonos devem, cada um, ser maridos de apenas uma mulher. Então, escrevendo aos crentes em Roma, Paulo nos introduz a uma mulher a quem chama de diakonos. Logo, nós podemos apenas concluir que, em 1 Timóteo 3, Paulo não tinha a intenção de que sua declaração fosse interpretada como uma declaração sobre gênero.
Para maior clareza, eis o que temos diante de nós:
“É necessário, portanto, que o bispo (episkopos) seja irrepreensível, esposo de uma só mulher” (1 Timóteo 3:2, ARA).
“O diácono (diakonos) seja marido de uma só mulher” (1 Timóteo 3:12, ARA).
“Recomendo-lhes nossa irmã Febe, serva (diakonos) da igreja em Cencréia” (Romanos 16:1, NVI).
Enquanto diakonos é usado algumas vezes de uma forma mais geral denotando qualquer função servil informal, nós sabemos que Paulo está usando a palavra aqui no sentido formal de uma posição ordenada, porque ele descreve Febe como “uma diakonos da igreja” e como ocupando uma função ativa no ministério. Ele então apela aos crentes em Roma para que “lhe [prestassem] a ajuda de que [viesse] a necessitar”. Claramente, ela exerce uma função de liderança na igreja.
É evidente, portanto, que quando Paulo diz em 1 Timóteo que o episkopos e o diakonos devem, cada um, ser “[maridos] de uma só mulher”, ele está simplesmente falando de uma forma geral em um contexto onde a maioria das pessoas que ocupavam estas funções eram homens, e não promulgando uma regra universal quanto ao sexo dos que as podiam exercer.
O que, então, Paulo queria dizer em 1 Timóteo 3?
Bem, vejamos a passagem novamente: “É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher…”
O sujeito da oração acima é “bispo”. “Esposo de uma só mulher” é apresentado como um dos critérios na lista que Paulo apresenta para definir o que seria um bispo “irrepreensível” (veja os versos 2-7). “Esposo de uma só mulher”, gramaticalmente, está descrevendo o termo “irrepreensível”. O sujeito da oração de Paulo não é o gênero do bispo (ou pastor) ou do diácono, mas sim o caráter dos que ocupam estas duas funções. Caso eles fossem homens, como a maioria deveria ter sido, eles teriam que ser “esposos de uma só mulher”, onde o ponto é que seria aceitável somente que eles tivessem apenas uma esposa. Caso eles fossem mulheres, como é o caso da “nossa irmã Febe”, obviamente o critério “esposo de uma só mulher” permaneceria válido no princípio, mas a aplicação seria diferente.
É realmente simples assim, se nós permitirmos que a Bíblia fale por si só e se nos abstivermos de interpretar seletivamente o texto para provar um ponto. Claramente, Paulo não tinha a intenção de fazer uma restrição de gênero com a sua declaração de “esposo de uma só mulher”. Nós simplesmente não podemos ser fiéis às Escrituras se não concedermos que quando Paulo disse que o bispo e o diácono deveriam ser “[irreprensíveis], [esposos] de uma só mulher”, ele quis dizer que aqueles que exercem estas funções devem ter um bom caráter moral, e não que todos devam necessariamente pertencer ao sexo masculino, caso contrário Paulo estaria se contradizendo quando reconheceu a irmã Febe como uma diakonos.
Há ainda uma segunda razão pela qual não podemos usar 1 Timóteo 3 como evidência para ordenação exclusivamente de homens. Mesmo se nós entendêssemos que o ponto de Paulo era de que todos os pastores e diáconos tivessem que pertencer ao sexo masculino, Paulo diz na mesma carta para que os homens levantassem as mãos quando orassem (2:8), que as mulheres deviam “aprender em silêncio” e que não lhes era permitido “ensinar” (2:11-12), que os presbíteros (anciões) que liderassem bem a igreja seriam merecedores de “pagamento em dobro” (5:17, NTLH), e que os escravos sob o jugo da escravidão deveriam submeter-se a seus mestres (6:1).
Nós não consideramos nenhuma dessas coisas como imperativos morais universais. Nós não estamos tendo seminários e simpósios e nem escrevendo artigos instando à igreja a necessidade de homens levantarem as mãos quando forem orar, ou de mulheres a aprender em silêncio e serem proibidas de ensinar, ou especialmente de ter os pregadores eficientes recebendo seu salário em dobro, ou ainda de escravos modernos submeterem-se a seus opressores. Se nós apenas pararmos para pensar de forma imparcial, nós saberemos que Paulo está falando aqui dentro do seu contexto histórico particular. Este é o motivo pelo qual nós não consideramos estes aspectos da carta de Paulo a Timóteo como sendo diretamente aplicáveis ao nosso tempo e situação, embora os princípios ali relacionados permaneçam válidos e devem ser aplicados ainda hoje, da maneira apropriada. O único modo de ler a Bíblia responsavelmente é fazê-lo consciente de seu contexto histórico. Caso contrário, nós seremos responsabilizados por obscurecer a linha entre verdades atemporais, de um lado, e aplicações contextuais, do outro. E o fato é que, como Adventistas do Sétimo Dia, nós historicamente sempre nos esforçamos para ler e interpretar a Bíblia de maneira responsável, levando em consideração seus aspectos contextuais e históricos.
Façamos uma pausa agora para notar um problema óbvio que uma interpretação equivocada de 1 Timóteo 3 poderia ter causado ao Movimento Adventista tal como ele foi lançado nos idos de 1800, com uma mulher-profeta. Sem sombra de dúvidas, havia pessoas naqueles dias que foram rápidas em citar Paulo para negar o ministério de Ellen White e provar que ela − precisamente por que ela era ela − não poderia fornecer nenhuma instrução espiritual. Em uma certa ocasião, Ellen White pregou para uma grande audiência reunida na Califórnia. Note o que ela escreveu sobre o evento, com um evidente entusiasmo, a seu esposo Tiago:
“O irmão Haskell falou na parte da tarde e seus esforços foram todos bem recebidos. Eu tive, no começo da noite, conforme me disseram, a maior congregação que jamais se reuniu [na cidade de] Arbuckle. A casa estava cheia. Muitos percorreram de cinco a até dez e doze milhas [para comparecer ao evento]. O Senhor me deu um poder especial ao falar. A congregação me ouviu como se estivesse sob o efeito de algum tipo de encanto. Ninguém foi embora do lugar ainda que eu falei por mais de uma hora. Antes de eu começar a falar, o irmão Haskell pegou um pedaço de papel que lhe foi entregue e que citava uma certa passagem [da Bíblia] que proibia as mulheres de falar em público. Ele discorreu sobre este assunto brevemente e de maneira muito clara explicou o significado das palavras do apóstolo. Eu compreendi que havia sido um Campbelita que escreveu a objeção, e a mesma estava circulando [pela congregação] até que chegou à nossa mesa; no entanto, o irmão Haskell explicou tudo de forma muito clara aos presentes” (Carta de Ellen White a Tiago White, 1° de abril de 1880, [Carta 17a]; Manuscript Releases vol. 10, p. 70).
Seria muito proveitoso, para o presente debate, descobrir como nossos pioneiros de outrora interpretavam as declarações de Paulo em 1 Timóteo. Afinal, eles tinham que responder àqueles que estavam citando Paulo para negar o ministério de Ellen White. Nós não temos um registro exato do que o irmão Haskell falou naquela ocasião em particular para deixar tudo “muito [claro] aos presentes”. Mas nós temos um registro da resposta de Tiago White sobre este assunto de uma forma geral, o que nos dá uma ideia da maneira como nossos pioneiros teriam visto a questão. O irmão White possuía um jeito com as palavras e uma sagacidade tal que ele conseguia ir direto ao coração do problema:
“Nos opomos a esta teologia de mente estreita que não permite que senhoras idosas tenham sonhos porque a profecia diz: ‘vossos velhos sonharão’; e que não permite que jovens garotas tenham visões só porque a profecia diz: ‘vossos jovens terão visões’. Estas críticas mesquinhas parecem se esquecer que ‘homem’ e ‘homens’, nas Escrituras, geralmente significam homens e mulheres. O Livro diz que ‘aos homens está ordenado morrerem uma só vez’. Por acaso então as mulheres não morrem?” (Tiago White, Advent Review and Sabbath Herald, 25 de fevereiro de 1862; Spiritual Gifts, vol. 3, p. 24).
Esta declaração foi brilhante em vários pontos. Primeiramente, Tiago White apresenta um aspecto fundamental de como ler e interpretar a Bíblia responsavelmente (hermenêutica). Ele toma as Escrituras por sua intenção óbvia, discernindo quais são os princípios que estão sendo apresentados ao mesmo tempo em que leva em consideração o uso das palavras em seu contexto histórico. Em segundo lugar, ele entende que a atitude de interpretar a Bíblia com uma literalidade literária, que ignora tanto o contexto mais amplo das Escrituras quanto o seu contexto histórico, tem sua origem numa condição espiritual que ele chama de “mente estreita” e “mesquinha”.
Os primeiros adventistas, com sua mulher-profeta, simplesmente não acreditavam que a tendência geral da Bíblia de se endereçar a homens — ele, eles, e esposos — tinha a intenção de excluir as mulheres. O fato é que praticamente toda a Bíblia foi escrita endereçando-se aos homens, já que quase todas as culturas antigas, incluindo Israel, consideravam as mulheres como seres inferiores aos homens, ao passo que as Escrituras indicam que Deus estava apontando para uma correta apreciação das mulheres (Mateus 19:3-10). Então, ao ler as Escrituras, torna-se óbvio que, ao endereçar a homens, tanto homens quanto mulheres estão inclusos. Três exemplos desse fenômeno devem ser suficientes para estabelecermos este ponto óbvio.
- O décimo mandamento declara: “não cobiçarás a mulher do teu próximo” (Êxodo 20:17). Porém, nós não concluímos que o mandamento não está sendo endereçado às mulheres. Nós cremos que o mandamento declara, por implicação e extensão, que mulheres também não devem cobiçar o marido de sua próxima.
- Jesus disse: “eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mateus 5:28). Entretanto, nós não entendemos que apenas porque Ele se endereçou a homens que Ele também não esteja endereçando-se a mulheres. Assim como os homens, as mulheres não devem cobiçar e nem desejar sexualmente qualquer um que não seja o seu marido.
- O Novo Testamento diz: “homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1:21). Contudo, nós não utilizamos este texto para negar que mulheres podem receber o dom profético. Nós acreditamos que mulheres, tais como Miriã, Débora e Ellen White, foram profetas verdadeiras e nós não citamos a linguagem com gênero específico de Pedro para descartar mulheres do ministério profético.
Se o método de estudo da Bíblia que está sendo utilizado para interpretar 1 Timóteo 3 fosse aplicado à linguagem com gênero específico dos Dez Mandamentos, do Sermão do Monte e de 2 Pedro 1:21, nós seríamos forçados a concluir que, ao passo que aos homens não seja permitido cobiçar a mulher de seu próximo, as mulheres são livres para cobiçar o marido de sua próxima; que, ao passo que aos homens é comandado não olhar ou desejar sexualmente a mulher alheia, as mulheres são livres para olhar e cobiçar; e que, enquanto os homens podem ser profetas verdadeiros, as mulheres não o podem. A esta altura, todos nós sabemos que esta maneira de interpretar as Escrituras é deficiente. E é este o ponto que Tiago White e nossos pioneiros estavam fazendo quando eles respondiam às “críticas mesquinhas” que tentavam negar o ministério de Ellen White ao citar a Bíblia desta forma “mente estreita”.
Nós podemos concluir confiantemente, portanto, que o sujeito da oração de Paulo em 1 Timóteo 3 não é o sexo, mas sim o caráter daqueles que aspiram ao ministério. Ele não estava dizendo: “garantam que somente indivíduos do sexo masculino ocupem a posição ministerial”. Pelo contrário, o que ele está dizendo é: “aqueles que forem ocupar esta função devem ser moralmente irrepreensíveis”. Este é o ponto de Paulo. Qualquer coisa além disso envolve impor ao texto mais do que ele pretende e ignorar outras passagens das Escrituras.
Os que insistem que Paulo, em 1 Timóteo 3, estabeleceu uma regra moral universal de ordenação exclusivamente masculina são confrontados com um fato que lhes deveria fazer parar para pensar humilde e respeitosamente: há inúmeros acadêmicos, pastores, líderes e leigos adventistas, igualmente comprometidos e conscienciosos, que não concordam com a sua interpretação deste texto. Esta realidade, por si só, é razão suficiente para abster-se de fazer da questão da ordenação de mulheres uma verdade probante digna de causar uma divisão na Igreja.
ORDEM DA CRIAÇÃO
Nesta altura de nosso estudo, vamos voltar um pouco atrás e dar uma olhada franca em 1 Timóteo 2:11-14.
“A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.” (ARA)
Os que advogam a ordenação exclusivamente de homens apontam para essa passagem como uma prova de que, quando Paulo posteriormente declara que “o bispo [deve ser] irrepreensível, esposo de uma só mulher”, ele está passando uma regra moral universal contra a ordenação de mulheres ao ministério evangélico ao apelar para a ordem da criação. Contudo, nós podemos dizer com certeza que este não é o caso, por quatro razões hermenêuticas sólidas:
- Como nós já vimos, através de uma simples comparação entre Romanos 16:1 e 1 Timóteo 3:2,12, torna-se absolutamente claro que Paulo não tinha a intenção de que a sua declaração de “esposo de uma só mulher” constituísse uma regra universal contra a ocupação, por mulheres, da função ministerial, mas sim como uma descrição do caráter moral que o aspirante dessa função espiritual deveria possuir para que esteja apto a exercê-la.
- Há outros casos nas Escrituras onde mulheres falam e ensinam com autoridade divina. Lucas, por exemplo, nos informa que Paulo e sua comitiva haviam sido hospedados na casa de “Filipe, o evangelista” e suas “quatro filhas donzelas, que profetizavam” (Atos 21:8-9). Pense comigo: se Paulo acreditasse num mandato divino universal de que todas as mulheres, em todos os lugares, deveriam sempre aprender em silêncio e nunca ensinar a homens pelo simples fato de Adão ter sido criado primeiro, e Eva depois, nós não teríamos este registro das quatro filhas de Filipe profetizando. Ao invés disso, nós possivelmente estaríamos lendo que Paulo disse algo como “vocês são mulheres, e nós somos homens, portanto, fiquem em silêncio. Nós vamos ensinar a vocês, mas vocês não podem nos ensinar.” No entanto, o que de fato temos é um simples relato de quatro mulheres “que profetizavam”, claramente indicando que Deus estava falando por intermédio delas e concedendo Sua autoridade para que ensinassem.
- O vocábulo grego hēsychia, traduzido como “silêncio” em 1 Timóteo 2, não se refere estritamente ao silêncio verbal, mas à atitude de permanecer calmo e abstendo-se de causar interrupções ao processo de aprendizado. Sendo assim, Paulo estaria essencialmente repreendendo um grupo específico de mulheres, dizendo que elas deveriam se acalmar, parar de causar interrupções e participar serenamente do processo de aprendizado.
- Em 1 Coríntios 14, Paulo novamente está lidando com uma situação específica da igreja local. Três vezes ele emite uma advertência para que pessoas permaneçam em “silêncio”, sendo que nas duas primeiras ele está se endereçando especificamente aos homens, e na terceira ele se endereça às mulheres (versos 28, 30 e 34). Também nesta ocasião ele explica o motivo de estar-lhes pedindo para permanecerem em silêncio. É que naquela situação particular estava havendo desordem, resultando em confusão e prejuízo do processo de edificação no qual a igreja estava tentando se empenhar.
Podemos ver, portanto, que no contexto geral do pensamento de Paulo, 1 Timóteo 2 não pode constituir uma regra moral atemporal onde todas as mulheres devem tanto permanecer em silêncio para sempre e quanto abster-se de ensinar a homens. E isto claramente não está de acordo com a vontade de Deus, o que é evidente pelo fato de que Ele mesmo chamou e capacitou mulheres para estarem envolvidas com educação, pregação e no exercício de papéis de liderança na igreja. Ellen White é o exemplo mais óbvio e direto para os Adventistas do Sétimo Dia. Ela foi uma pregadora itinerante ativa ao longo de todo o seu ministério, ensinando tanto a homens quanto a mulheres, sem mencionar que ela foi (e continua sendo) a autoridade mais prolífica no campo da educação em toda a história do adventismo. “Ah”, alguém poderia dizer, “mas ela não foi ordenada!”
Na verdade, ela foi ordenada sim…pelo próprio Deus, em Pessoa:
“Na cidade de Portland, o Senhor me ordenou como Sua mensageira, e aqui meus primeiros labores foram dedicados à causa da verdade presente” (Review and Herald, 18 de maio de 1911).
O caso de Ellen White é extremamente esclarecedor. Permita-nos registrar, com todo o poder que isso possui, o fato de que Deus escolheu uma mulher para ser a Sua profeta para o tempo do fim, para falar e escrever autoritativamente como Sua principal representante para a Sua Igreja do tempo do fim. Na época dela, mulheres sequer podiam votar ou mesmo ocupar um cargo político. Ainda assim, Deus escolheu uma mulher para ser o canal através do qual Ele iria ensinar, liderar—e até repreender—homens.
“Mas ela não foi ordenada pela igreja!”
Não, ela não foi, mas a ordenação origina-se com Deus, não com seres humanos, então ela tinha um nível de ordenação mais elevado, e não inferior. Se você for ordenado por Deus, mas não por homens, você ainda assim continua sendo ordenado. Se você for ordenado por homens, mas não por Deus, você não continua não estando ordenado.
“Mas ela não foi ordenada como pastora, e sim como uma profeta, pois uma ordenação pastoral a teria colocado em uma posição de autoridade espiritual sobre homens, o que a Bíblia proíbe!”
Ainda assim, todos nós sabemos que, depois da Bíblia, os escritos de Ellen White constituem-se na mais alta autoridade dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. É por isso que todos nós a estamos citando seus escritos de maneira autoritativa neste debate.
“Mas quando a liderança formada por homens disse a ela que ela teria de ir à Austrália, ela obedeceu e foi, uma vez que ela era uma mulher e eles eram homens!”
Sim, ela realmente foi à Austrália quando lha pediram para fazê-lo, mas não há nada que indique que ela o fez porque ela era uma mulher e homens disseram para ela ir. Ela o fez por conta de um espírito de humildade e submissão a seus irmãos, o mesmo que qualquer outro ministro do sexo masculino teria feito caso os irmãos lhe pedissem a mesma coisa. Em outras ocasiões, homens pediram a ela que fizesse certas coisas e ela os repreendeu, e em muitos casos ela dirigiu-se a homens em posições de liderança dizendo-lhes o que eles deveriam fazer e ela esperava que eles o fizessem.
A simples verdade sobre este assunto é que Ellen White foi, de fato, ordenada pessoalmente por Deus, o que claramente indica que embora nós possamos nos posicionar contra a ordenação de mulheres a uma função espiritual autoritativa, Deus não o faz, o que, se você pensar bem, é uma posição um tanto quanto complicada de se estar.
Realmente complicada!
Os adventistas que interpretam 1 Timóteo 2-3 como um mandato universal contra a ordenação de mulheres passam por cima da evidência de que eles mesmos são membros de uma igreja que possui uma mulher-profeta, e uma igreja que de uma maneira geral sempre aceitou mulheres atuando nas áreas de ensino, pregação e evangelismo, todos as quais, por definição, são atividades que envolvem autoridade espiritual. Eles precisam ir além do que o texto diz para sustentar ao mesmo tempo a sua posição global contra a ordenação de mulheres e o ter como aceitável o ministério profético de Ellen White e a participação de mulheres de uma forma geral no ensino e na pregação.
Em outras palavras, há uma lacuna gritante na lógica de sua posição.
Eles começam insistindo que a ordenação exclusivamente masculina é um mandato moral devido ao fato de Adão ter sido criado antes de Eva, e graças ao qual, insistem, mulheres não podem ensinar a homens de forma autoritativa. No entanto, eles são confrontados pelo fato de aceitaram uma mulher como profeta e portanto numa posição de ensino autoritativa—a saber, Ellen White. Assim, eles precisam encontrar algum ângulo explanatório que permita a algumas mulheres, em caráter de exceção, ensinar a homens. Mas há aí um problema colossal: se nós estamos lidando aqui com um mandato moral, então não pode existir nenhum tipo de exceção, pois fazer exceções significa, invariavelmente, confessar que esta não é, afinal de contas, uma questão moral. E se não for uma questão moral, então não há nenhuma razão legítima para insistir numa regra universal sujeitando toda a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Por quê, então, Paulo fez referência ao fato de que “primeiro, foi formado Adão, depois, Eva”?
Nós simplesmente precisamos ler o contexto da passagem para entender onde Paulo queria chegar. Ao prestarmos atenção em seus comentários introdutórios a Timóteo, descobrimos que uma situação específica motivou a sua carta:
“Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina” (1 Timóteo 1:3, ARA).
Ele prossegue dizendo que havia alguns na igreja em Éfeso que “que [estavam causando] controvérsias em vez de promoverem a obra de Deus, que é pela fé”. E que “o objetivo desta instrução é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera. Alguns se desviaram dessas coisas, voltando-se para discussões inúteis, querendo ser mestres da lei, quando não compreendem nem o que dizem nem as coisas acerca das quais fazem afirmações tão categóricas” (versos 4-7, NVI). Ao final do capítulo 1, ele encoraja Timóteo a “combater o bom combate” contra os falsos mestres com os quais ele teria que lidar em Éfeso, nomeando dois deles, a saber “Himeneu e Alexandre”.
Claramente, portanto, Paulo está tratando de uma situação local na qual há indivíduos que estão posicionando-se a si mesmos como mestres que estão promovendo disputas teológicas e dificultando a edificação na piedade que deveria caracterizar a dinâmica da igreja local.
Então no capítulo 2 Paulo prossegue lidando com o fato de que havia algumas mulheres na igreja de Éfeso que estavam contribuindo para o problema. Elas obviamente eram simpatizantes desses falsos mestres, pois mais adiante, no capítulo 5, Paulo lamenta o fato de que “algumas” das mulheres da igreja de Éfeso “se desviaram, seguindo a Satanás” (5:15). Então Paulo oferece um conselho a Timóteo sobre como lidar com essas mulheres que estão contribuindo para as disputas teológicas portando-se de maneira dominadora sobre os homens.
É nesta situação que sai de Paulo a advertência de que as mulheres não deveriam “ensinar” ou exercer “autoridade” sobre os homens!
A palavra “autoridade” utilizada aqui não é uma palavra que indica liderança, mas sim uma atitude controladora. Estas mulheres não estavam exercendo uma liderança piedosa, e Paulo não estava, portanto, dizendo que mulheres nunca poderiam ser líderes piedosas. Ele não estava promovendo uma regra universal negando às mulheres a possibilidade de ensinar ou de exercer uma função de liderança. Pelo contrário, ele está lidando com uma situação local desastrosa. Este é o motivo pelo qual, ao escrever uma outra carta a um outro grupo específico de crentes, ele elogia uma mulher chamada Febe por exercer uma influência positiva através de sua liderança: “Peço que a recebam no Senhor, de maneira digna dos santos, e lhe prestem a ajuda de que venha a necessitar; pois tem sido de grande auxílio para muita gente, inclusive para mim” (Romanos 16:1-2, NVI). Esta mulher não precisa ser instada a permanecer em silêncio. Pelo contrário, Paulo a posiciona como alguém a quem os crentes em Roma deviam “[prestar] a ajuda de que [viesse] a necessitar”.
Para fazer o ponto sobre como a dinâmica daquela igreja em particular suscitou a natureza específica da admoestação de Paulo, imagine que Febe e Ellen White fossem mulheres influentes presentes na igreja de Éfeso. Elas teriam sido uma potência feminina forte e positiva contra a atuação dos hereges. Paulo não teria, portanto, lhes escrito os mesmos conselhos. No entanto, neste caso, as irmãs locais estavam contribuindo para aumentar o problema e abrindo as portas para os hereges. Então, Paulo disse que estas mulheres deveriam parar de interromper o processo de ensino e submeter-se aos irmãos que estavam tentando ensinar a verdade e combater os hereges.
Em outras palavras, Paulo não estava tentando provar um ponto filosoficamente profundo, mas sim algo prático. Nesta passagem, nós testemunhamos o pastor Paulo em ação. Timóteo está sendo confrontado por algumas senhoras escandalosas e fora de controle que estão atrapalhando o processo educativo da igreja de Éfeso. Então Paulo lhe recomenda pedir a estas mulheres que se acalmem, da mesma forma que ele o pediu a alguns homens barulhentos da igreja em Corinto. Então, para alcançar este objetivo pastoral, ele apela ao fato de que embora Adão fosse criado primeiro, e depois Eva, foi ela quem foi enganada por Satanás, e não Adão. Ele está falando de forma homilética, pastoral, sobre um problema específico, e o relato de Gênesis sobre a Criação e a Queda faz este ponto. No entanto, não há nessa passagem evidência alguma, nem em todo o restante da narrativa Bíblica, de que Deus emitiu uma regra universal para que mulheres jamais, em qualquer lugar ou época, pudessem ensinar aos homens, e Paulo certamente não está fazendo nenhum argumento nesta passagem contra ou a favor a ordenação de mulheres. A ordenação de mulheres não está em nenhum lugar do radar de Paulo.
A intenção de Paulo em sua carta a Timóteo torna-se clara e simples se nós apenas a interpretarmos à luz de seu contexto histórico e situacional imediato, que inclui o fato de que, em outras ocasiões, Paulo ficou muito contente em dirigir a sua atenção diretamente às mulheres que se mostraram líderes hábeis e confiáveis na propagação do evangelho, como foi o caso de Febe. Usar 1 Timóteo 2 e 3 para descartar a ordenação de mulheres é, no melhor dos casos, uma ginástica hermenêutica. A passagem simplesmente não suporta o peso desta posição—uma posição tão pesada que chega a afirmar que a ordenação de mulheres ao ministério pastoral constituir-se-ia em infidelidade às Escrituras.
PODE UMA MULHER EXERCER A FUNÇÃO PASTORAL EM UMA IGREJA LOCAL?
Neste ponto, a maioria dos que advogam a ordenação exclusivamente de homens entendem que 1 Timóteo, de fato, não constitui um caso contra mulheres exercendo a função pastoral, como demanda o peso da evidência exegética. No entanto, eles insistem numa condição: “Tudo bem”, dizem eles, “mulheres até podem exercer a função pastoral, mas elas não podem ser ordenadas para tal, nem podem ocupar posições de liderança/ administração/ gestão na igreja local.” Eles mantém-se firmes a esta restrição porque não podem aceitar que uma mulher exerça uma função de liderança em uma congregação, já que, afinal de contas, toda congregação é formada tanto por homens quanto por mulheres.
Aparentemente, Ellen White era da opinião de que, mais do que uma questão de gênero, a qualificação para a liderança da congregação local era uma questão de caráter:
“Nem sempre são homens os que estão melhor preparados para a gestão bem-sucedida da igreja. Se mulheres fiéis possuírem mais profunda piedade, e mais devoção verdadeira do que os homens, elas poderão, de fato, realizar mais através de suas orações e esforços do que os homens de vida e coração não consagrados” (Manuscript Releases, vol. 19, p. 56).
Novamente, encontramos um equilíbrio. Esta declaração descarta a possibilidade de trabalharmos com o pressuposto de que uma mulher não pode liderar uma igreja. A declaração não nega a necessidade de homens piedosos para a liderança das igrejas locais, mas ela vai além e insiste que, algumas vezes, mulheres podem ser uma melhor escolha para desempenhar esta tarefa. É o caráter e os talentos que qualificam.
Agora, considere isto:
A palavra “bispo” em 1 Timóteo 3:2 é episkopos, que literalmente significa “supervisor”. Paulo nos diz ser importante que o supervisor (episkopos) seja “despenseiro (oikonomos) de Deus” (Tito 1:7, NVI). Em outras palavras, parte da descrição bíblica da função do episkopos é a gestão da igreja, e Ellen White claramente vislumbrava mulheres, assim como homens, exercendo esta função.
Assim, somos confrontados com a permissão bíblica para que mulheres preguem e ensinem, e também com a declaração de Ellen White de que, algumas vezes, mulheres podem estar mais bem preparadas que homens para fazer uma gestão bem-sucedida da igreja. Neste ponto, alguns procuram contornar o óbvio e dizer que é permissível que mulheres preguem e ensinem, e até que façam a gestão de uma igreja local, mas que não lhes é permissível ocupar ambas as funções ao mesmo tempo, pois isso identificaria as funções da mulher com as duas funções primárias que definem a função de um pastor. É claro que nenhum aspecto desta argumentação tem qualquer base bíblica ou dos escritos de Ellen White. Neste ponto, estamos apenas apresentando diferentes ângulos e argumentos que são utilizados de maneira a tentar contornar as claras implicações do material inspirado que temos diante de nós.
Porém agora, para que não fique nenhuma dúvida, considere mais um ponto que nos permitirá obter perfeita claridade sobre se mulheres podem ou não ser elegíveis para ocupar a função ordenada de um “supervisor” (episkopos). Leia atentamente:
- Ambos os lados do debate concordam que todos os dons espirituais não possuem restrição quanto ao gênero de quem os pode receber (Romanos 12; 1 Coríntios 12; Efésios 4).
- Todos reconhecem, também, que um destes dons espirituais é o de “pastor” (poimēn), conforme elencado em Efésios 4:11, e portanto todos concordam que mulheres, assim como homens, podem ser “pastoras”.
- No entanto, com o objetivo de restringir a mulher “pastora” (poimēn) da função ordenada de “supervisor” (episkopos), os que se opõem à ordenação de mulheres têm insistido que deve haver uma separação entre “dons” e “funções” espirituais, onde se argumenta que uma mulher pode receber e exercer o dom de “pastora”, porém ela não pode ser ordenada numa função equivalente à do “supervisor” (episkopos).
Entendeu até aqui?
Agora note o que 1 Pedro 5:2 diz ao líder da igreja local:
“pastoreiem (poimainō, a mesma raiz da palavra traduzida como “pastor” em Efésios 4:11) o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem (episkopeō, a mesma raiz da palavra episkopos, traduzida como “bispo/supervisor” em 1 Timóteo 3:2) por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir.” (NVI).
O que temos a seguir, portanto, é evidente:
- Um dos dons espirituais tanto para homens quanto para mulheres é o de “pastor”.
- E Pedro diz que a posição de “pastor” e a de “supervisor” é uma e a mesma.
- Portanto, admitir que uma mulher pode receber o dom espiritual de “pastor” é também admitir, se permitirmos que a totalidade das Escrituras nos informe, que uma mulher pode estar na função ordenada de “supervisor” para uma igreja local.
SER O CABEÇA
O conceito do homem como “o cabeça” é o segundo aspecto do argumento oferecido em favor da ordenação exclusivamente de homens. O problema, aqui, é que a Bíblia nunca relaciona a função pastoral com o conceito de “ser o cabeça”.
Nenhuma vez.
Na verdade, aplicar a linguagem de “cabeça” ao pastor é um erro teológico grave com implicações sérias. Consideremos este ponto cuidadosamente, observando tudo o que a Bíblia nos informa a respeito deste assunto.
Há um total de sete passagens bíblicas que empregam a palavra “cabeça” com a ideia de chefia. Cinco delas designam a Cristo como o primeiro e o único Cabeça da Igreja. As outras duas dizem que um homem, na qualidade de marido, é o cabeça da mulher, a sua esposa, limitando esta função, portanto, ao relacionamento conjugal. Contudo − e é crucial entender isso − nem um único texto emprega a palavra “cabeça” com relação à posição pastoral ou à ordenação.
Ênfase: nenhum!
Eis todas as sete passagens que falam sobre “ser o cabeça”:
“Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés [de Cristo] e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja” (Efésios 1:22, NVI).
“Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Efésios 4:15, NVI).
“Ele [Cristo] é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia” (Colossenses 1:18, NVI).
“e, por estarem nele, que é o Cabeça de todo poder e autoridade, vocês receberam a plenitude” (Colossenses 2:10, NVI).
“Trata-se de alguém que não está unido à Cabeça [Cristo], a partir da qual todo o corpo, sustentado e unido por seus ligamentos e juntas, efetua o crescimento dado por Deus” (Colossenses 2:19, NVI).
“Pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador” (Efésios 5:23, NVI).
“Quero, porém, que entendam que o cabeça de todo homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.” (1 Coríntios 11:3, NVI).
Com estes sete versos, temos diante de nós tudo o que a Bíblia fala sobre “ser o cabeça”!
Como já mencionamos, estamos diante de um fato óbvio e notório: a palavra “cabeça” nunca é usada pela Bíblia para descrever a posição do pastor ou do ancião em relação à igreja, tampouco é usada em relação à ordenação. À luz do atual debate sobre a ordenação de mulheres, por favor, faça uma pausa e reflita sobre isso: a ideia de que a posição pastoral é uma de “cabeça”, e que, portanto, todos os pastores devem ser do sexo masculino, é completamente estranha às Escrituras.
Contudo, alguns afirmam que a última passagem citada acima (1 Coríntios 11:3) trata de homens e mulheres de uma forma geral, sugerindo que todos os homens “são o cabeça” sobre todas as mulheres. Evidentemente, aqueles que dizem assim interpretar esta passagem rapidamente demonstrariam, na prática, que não acreditam nisso tanto assim, caso eu começasse a me portar como o “cabeça” de suas esposas. Paulo está dizendo, como traz a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, que “o marido tem autoridade sobre a esposa”.
Como, então, aqueles que se opõem à ordenação de mulheres consideram que o “ser o cabeça” seja uma evidência bíblica a favor da ordenação exclusivamente de homens?
Nós podemos apenas imaginar, com toda consideração e respeito, que eles, inadvertidamente, ignoram o fato de que a Bíblia não faz nenhuma conexão entre “ser o cabeça” e a função pastoral. Basicamente, eles se estão se apropriando da palavra “cabeça” e aplicando-a à função pastoral sem nenhum endosso bíblico, e inserindo este conceito no tópico de ordenação. Esta pode ser uma extrapolação inocente, mas não é uma exegese sólida. Portanto, sim, o conceito de o homem “ser o cabeça” está presente nas Escrituras, como acabamos de ler, mas é aplicado exclusivamente ao relacionamento entre marido e esposa, e nunca a nenhuma pessoa em qualquer capacidade dentro da Igreja de Deus—com exceção de Jesus Cristo.
O argumento contra a ordenação de mulheres baseado nos textos que dizem que o homem “é o cabeça” emprega a mesma metodologia de estudo da Bíblia que é utilizada pelos guardadores do domingo quando apontam para a linguagem de “primeiro dia da semana” do Novo Testamento como estando em oposição ao Sábado. Ao examinarmos as Escrituras, descobrimos que há um total de oito passagens no Novo Testamento que citam “o primeiro dia da semana”, no entanto, nenhuma delas menciona qualquer coisa sobre o primeiro dia da semana sendo o novo dia de guarda. Semelhantemente, há sete passagens no Novo Testamento que empregam a palavra “cabeça” com o sentido de autoridade, mas nenhuma delas emprega a palavra para descrever qualquer função de liderança humana no contexto da Igreja. Isto significa que há uma total ausência de evidência bíblica que apoie a ideia de que pastores ocupam uma posição de “cabeça” em relação à igreja. Eles simplesmente não a ocupam. Somente Cristo é descrito como o “Cabeça” de Sua Igreja, a qual é composta por um corpo que inclui tanto a homens quanto a mulheres, todos eles representando, coletivamente, a Noiva de Cristo. Isto é literalmente tudo o que a Bíblia ensina sobre “ser o cabeça”.
Contudo, reflita nesta questão um pouco mais a fundo, pois a declaração de que a posição pastoral é uma de “cabeça” não apenas é antibíblica, mas perigosa.
Biblicamente falando, não há nenhuma categoria intermediária de “cabeças” entre Cristo e a Sua igreja; não há nenhuma categoria de oficiantes humanos que sejam considerados “cabeças maritais” entre Jesus e Sua Noiva. Ao descrever o relacionamento entre Ele e Sua Igreja, Jesus falou explicitamente: “porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos” (Mateus 23:8, ARA). De nenhuma maneira dentro do adventismo — como uma igreja protestante que crê no sacerdócio de todos os crentes — há entre seus membros qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos que sejam designados “cabeça(s)”. Compreendendo a natureza exclusiva da posição de cabeça da igreja, Ellen White explicitamente afirmou:
“Cristo é o único cabeça da Igreja” (Manuscript Releases, vol. 21, p. 274).
E novamente:
“Que fique evidente que Cristo, não o ministro, é o cabeça da igreja” (Signs of the Times, 27 de janeiro de 1890).
E de novo:
“Deus jamais deu em Sua Palavra a mínima sugestão de que tivesse designado a algum homem para ser a cabeça da igreja” (O Grande Conflito, p. 51).
E mais uma vez:
“O Senhor Jesus é a única Cabeça espiritual, e nós somos os membros do Seu corpo” (Review and Herald, 19 de março de 1895).
Esta atual inclinação em nosso meio de nitidamente distinguir o clero dos leigos e elevar a posição pastoral em termos de “ser o cabeça” e de possuir privilégios sobre os demais membros da igreja é decididamente papal. A recusa em permitir que mulheres ocupem a função ordenada com base na premissa de que o homem “é o cabeça” perigosamente assume que todas as mulheres estão sob a autoridade de todos os homens, algo que a Bíblia não ensina em lugar nenhum. Além disso, a recusa em permitir que mulheres ocupem a função ordenada com base na premissa de que o homem “é o cabeça” assume também que metade dos membros da igreja (a metade feminina) não possui o status fornecido pelo conceito de “sacerdócio de todos os crentes”, ao se interpor uma autoridade humana, composta por homens, entre as mulheres que são membros da Igreja e o seu Senhor. Em nenhum lugar a Bíblia ensina este tipo de arranjo. É preciso sair do adventismo e se unir ao catolicismo para encontrar ministros nesta capacidade.
O aspecto crucial a ser entendido com relação ao conceito de “ser o cabeça” é o seguinte: a Bíblia não ensina que homens de uma maneira geral estão numa posição onde “são o cabeça” de mulheres de uma maneira geral, mas apenas que o marido, individualmente, ocupa uma posição onde ele é “o cabeça” de sua esposa, individualmente. O relacionamento entre marido e esposa é, então, transferido, simbolicamente, para o relacionamento entre Cristo, nosso marido espiritual, o qual é nomeado como o Cabeça da Igreja; e a Igreja, Sua esposa espiritual, a qual é composta tanto por homens quanto por mulheres.
Este é um equívoco enorme e potencialmente perigoso por parte dos que estão promovendo o conceito do homem como o cabeça como argumento contra a ordenação de mulheres. Eles empregam o conceito bíblico de “ser o cabeça” como evidência de que mulheres não podem exercer a função ordenada pois, dizem eles, isso violaria a verdade bíblica do homem como o cabeça. Mas o fato é que não há nenhuma passagem nas Escrituras que relaciona o conceito do homem como o cabeça à função ministerial, à organização eclesiástica ou à ordenação. Ao invés disso, o conceito do homem como o cabeça é mencionado somente com relação ao casamento e não há nenhuma escritura que o torna transferível a relações eclesiásticas.
Para que a lógica permaneça consistente, se o ministro ordenado ocupa uma posição de cabeça para a igreja, então ele ocupa esta posição com relação a todos os membros não ordenados, tanto homens quanto mulheres, o que colocaria o pastor na função espiritual de marido da Noiva de Cristo. Isto é exatamente aquilo que nós, como protestantes, rejeitamos na eclesiologia católica. O ministro ordenado da Igreja Adventista do Sétimo Dia decididamente não ocupa o papel do cabeça para com a igreja.
Nós concluímos, portanto, que não há base bíblica que dê margem para preocupar-nos de que, com a ordenação de mulheres, estaríamos usurpando o papel do homem como o cabeça, uma vez que nem os próprios homens que ocupam a posição pastoral possuem o papel de cabeça perante a igreja. O que deveria nos preocupar, contudo, é estar movendo a Igreja Adventista numa direção que definiria o papel do pastor em termos de ser o cabeça, pois isto significaria elevar o clero à posição de Cristo. Dito de outra forma, não há nenhuma função de cabeça a ser preservada ou protegida, exceto aquela do próprio Cristo. A ordenação de mulheres iria, na verdade, ser uma afirmação da eclesiologia do “sacerdócio de todos os crentes” que nós professamos como protestantes, e tornaria mais nítida a nossa percepção da função pastoral como uma simples extensão vocacional, exercida em tempo integral, do papel que todos os membros da igreja possuem por fazerem parte de uma comunidade definida pelo sacerdócio de todos os crentes.
O que acontecerá, então, com o papel do homem como o cabeça se nós ordenarmos mulheres?
Ele permanecerá, e precisamente como a Bíblia o define—o marido como o cabeça da esposa e Cristo como o Cabeça da Igreja!
Para a Igreja, o reconhecimento de pastoras mulheres através da imposição de mãos seria simplesmente a afirmação de um chamado ministerial para pregar o evangelho e ganhar almas para Cristo numa capacidade vocacional. Em nada alteraria a constituição ontológica da mulher ou suas relações domésticas. Se uma mulher é ordenada como uma ganhadora de almas por vocação, seu marido permanece sendo seu marido e ela permanece sendo sua esposa. Toda a dinâmica que existe entre marido e mulher permanece a mesma. Ele continua sendo chamado por Deus a amar sua esposa assim como Cristo amou a igreja entregando-se a si mesmo por ela, e ela continua sendo chamada para submeter-se voluntariamente à sua liderança altruísta na segurança do ambiente relacional de seu amor conjugal (Efésios 5).
Fiquemos, porém, certos disso: em nenhum lugar a Bíblia argumenta que, uma vez que o marido é o cabeça da esposa no contexto do lar, então somente homens podem ocupar a função ordenada na igreja. Este verso bíblico simplesmente não existe. Esta ideia é um construto forçado que carece de uma única passagem bíblica. Eu sou o cabeça da minha esposa, e não o cabeça das esposas de todos os outros homens em acréscimo ao da minha própria. E eu tenho um palpite de que todos os meus irmãos em Cristo que são casados gostariam de manter isso desta forma.
Nós concluímos, portanto, que o argumento contra a ordenação de mulheres baseado no fato no conceito do homem como o cabeça da esposa carece totalmente de qualquer evidência textual. Tudo o que temos nas Escrituras sobre este tema são sete passagens: cinco delas nos informando que apenas Jesus é o Cabeça da Igreja, ao passo que as outras duas nos informam que o marido é o cabeça da sua esposa; nem um único verso relaciona o conceito de “ser o cabeça” à ordenação ou à função pastoral. Claro, nós podemos formar uma combinação de palavras e ideias para produzir um argumento que proíba a ordenação de mulheres. No entanto, não há nada na simples leitura do texto bíblico que seja equivalente a um mandato direto sobre este assunto.
O ESPÍRITO SANTO DECIDE
No momento em que entramos na esfera da igreja, as Escrituras articulam o sacerdócio de todos os crentes, oferecendo listas de dons espirituais que cada membro pode obter para o avanço do evangelho (Romanos 12, 1 Coríntios 12, Efésios 4). Quando Paulo nos dá estas listas, ele não faz nenhuma restrição quanto ao gênero de quem os recebe. Ele não apresenta uma lista de dons espirituais específicos para homens e outra para mulheres. Há apenas uma lista para todos. Cada membro da igreja é convidado a descobrir a área em que ele ou ela possui dons. E então, após listar os vários dons, Paulo diz o seguinte:
“Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente” (1 Coríntios 12:11, ARA).
“E ele as distribui individualmente, a cada um, como quer” (NVI).
“… conforme ele quer” (NTLH).
Desta forma, ao lermos a lista bíblica de dons espirituais, nós não deveríamos ser pegos de surpresa se, por exemplo, uma mulher profeta aparecesse na igreja. E se nós não somos surpreendidos por uma profeta mulher, por que nos surpreenderíamos com mulheres pregadoras, evangelistas ou “pastoras” (Efésios 4:11)? Afinal de contas, Paulo não estipulou nenhuma qualificação quanto a gênero e ele mesmo categoricamente nos informa que o Espírito Santo não está sujeito aos parâmetros e restrições que nós, humanos, podemos impor. Aqui, novamente, assim como no argumento do homem como o cabeça da igreja, nós corremos o perigo de criar regras humanas para restringir a atuação do Espírito de Deus. Contudo, permita-nos fazer a seguinte pergunta-chave:
Quem somos nós para definir quem pode ou não pode receber algum dom espiritual em particular?
Se o Espírito Santo quiser levantar uma mulher para ser uma líder política e militar em Israel, como no caso de Débora, quem somos nós para dizer que Ele não pode fazê-lo?
Se o Espírito Santo quiser chamar uma garota adolescente para ser a Sua profeta num tempo em que mulheres não tinham o direito de votar ou de ocupar um cargo público, como no caso de Ellen White, quem somos nós para dizer-lhe que isto seria uma má ideia?
Se o Espírito Santo decidir que uma mulher chamada Febe possui o que Ele procura num diakonos para a igreja em Roma, por que nós tentaríamos ficar em seu caminho?
Se uma jovem moça vem até você, como uma veio a mim recentemente, com a convicção no seu olhar e a paixão na sua voz, e diz, “eu estou tão apaixonada por Jesus e eu sinto que o Espírito Santo está me chamando para pregar o evangelho, plantar uma igreja, e levar pessoas a conhecer tudo a Seu respeito”, estaremos nós realmente preparados para dizer a ela que a convicção que ela sente não vem do Espírito Santo?
Paulo diz que o Espírito Santo distribui os dons “individualmente, a cada um, como quer.”
A nossa parte é reconhecer e apoiar aquilo que Deus estiver fazendo, não impor regras e restrições que não se encontram em lugar nenhum da Bíblia. Sim, se houvesse uma regra bíblica sobre o assunto, nós deveríamos obedecê-la. Contudo, já que esta regra não existe, por que nos sentimos na liberdade de criá-la? Nós não os somos criadores das regras. Deus o é! E se Ele quisesse que nós tivéssemos uma regra sobre este assunto, Ele nos teria dado uma.
Então…
Analisando os dados bíblicos, somos levados à conclusão de que a Bíblia não diz que as mulheres devem ser ordenadas, e que a Bíblia também não diz que as mulheres não devem ser ordenadas. E este é o ponto que todos nós devemos registrar em nossas mentes e corações, se quisermos ser honestos com a informação inspirada que temos à nossa disposição. Afirmar que a Bíblia emite um mandato moral contra ou a favor da ordenação de mulheres é simplesmente ir além do que as Escrituras de fato dizem.
E mesmo assim, com base na ideia do homem como o cabeça de 1 Timóteo 2 e 3, há os que insistem que a ordenação exclusivamente de homens constitui uma verdade bíblica sobre a qual fidelidade versus infidelidade é o que está em jogo. Isto nos leva, como um povo, a uma situação bastante séria e perigosa, não apenas pela divisão que este tipo de posição deverá inevitavelmente causar, mas também pela forma como nós interpretamos as Escrituras em geral. Se nós vamos nos permitir, como um povo, a ficarmos divididos por causa da insistência de que a Bíblia proíbe a ordenação de mulheres, então nós essencialmente estaremos entregando a igreja aos ditames das opiniões irredutíveis de um grupo que vão além do que está escrito na Palavra de Deus.
VERDADE PROBANTE
Considere a seriedade da situação que está a nossa frente:
- Se a Sessão da Conferência Geral rejeitar a proposta que permite a cada Divisão decidir por seu território o que é o melhor a ser feito com relação à ordenação de mulheres, é possível que algumas Uniões sintam-se compelidas a ir adiante com a ordenação de mulheres como um “protesto consciencioso” contra este voto.
- Em resposta a isto, é possível que ocorra uma de duas possíveis situações: ou as Uniões serão autorizadas a proceder com a ordenação de mulheres ou elas serão sujeitas a alguma medida disciplinar.
- Se forem autorizadas a proceder com a ordenação de mulheres, isto significaria que a votação da Conferência Geral em Sessão não significou nada
- Se as Uniões forem sujeitas a uma medida disciplinar, isto provavelmente envolveria três etapas: (a) censura, que é uma declaração oficial de desaprovação e uma advertência para mudar de atitude; (b) dissolução das Uniões que não cooperarem; e então (c) reconstituição das Uniões sob uma liderança complacente.
- Como cada União possui estatutos e regras próprias, bem como suas próprias formas de votar a sua constituição, caso a Conferência Geral decida por prosseguir na direção da medida disciplinar é provável que a Igreja entre em batalhas judiciais internas que podem potencialmente dividir o Adventismo em pelo menos duas denominações diferentes.
E todo este potencial de divisão é causado pela insistência de que a declaração em 1 Timóteo 3 sobre “marido de uma só mulher” constitui um mandato moral universal contra a ordenação de mulheres, aliado à insistência de que o conceito do homem como o cabeça da esposa se aplica à função do pastor no contexto da igreja!
Permita-me respeitosamente afirmar que as interpretações oferecidas em favor da ordenação exclusivamente de homens não constituem o tipo de evidência bíblica, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto do método, com a qual nós podemos responsavelmente determinar tanto a ortodoxia doutrinária quanto um imperativo moral. Em outras palavras, a ordenação exclusivamente de homens não possui base bíblica suficiente para possuir um status de “verdade probante” digno de causar uma divisão da Igreja.
Há dois pontos que nós não podemos comprometer: a lei e o evangelho.
- A lei distingue o que é certo e o que é errado do ponto de vista relacional.
- O evangelho define a maneira da salvação.
Os mandatos morais da lei de Deus devem ser mantidos como imperativos não negociáveis, e todas as doutrinas explícitas da Bíblia que compõem o evangelho devem ser mantidas como verdades probantes que determinam a “interação social” formal dentro dos parâmetros de afiliação à igreja.
Ellen White sabiamente observou que estudantes sinceros da Bíblia iriam divergir em suas interpretações a respeito de alguns assuntos, e ela insistiu para que nós não amplificássemos essas diferenças, mas para que focássemos na pregação das “verdades probantes” para o nosso tempo:
“Se permitimos que a mente siga seu próprio curso haverá pontos incontáveis de divergência que podem ser debatidos pelos homens que fazem de Cristo a sua esperança, e que amam a verdade com sinceridade, e, não obstante, mantêm opiniões divergentes sobre temas que não têm real importância. Estes assuntos controversos não devem ser apresentados nem debatidos em público, mas, se são defendidos por alguém, devem sê-lo serenamente e sem luta… O obreiro nobre, devoto e espiritual, verá nas grandes verdades probantes que constituem a solene mensagem que deve ser dada ao mundo, razão suficiente para manter ocultas todas as divergências menores, de preferência a expô-las para que sejam objeto de contenda. Ocupe-se a mente na grande obra da redenção, a breve vinda de Cristo, e os mandamentos de Deus; e verificar-se-á que há, nesses temas, alimento suficiente para ocupar toda atenção.” (Evangelismo, p. 183).
Quando temas como o “diário” em Daniel 7 e 8 estavam sendo agitados, ela apontou para a oração de Cristo pela unidade de Sua igreja e apelou para que focássemos nas “verdades probantes”, ao invés de assuntos que revelassem acentuadas diferenças de opinião:
“Desejaria trazer a vossa atenção a última oração de Cristo, segundo se acha registrada em João 17. Há muitos assuntos sobre que podemos falar — verdades probantes, belas em sua simplicidade. Em torno destas, podeis demorar com intenso fervor. Não seja, porém, “o contínuo” [ou o “diário”, em Daniel 8:12] ou qualquer outro assunto que suscite discussões entre os irmãos introduzido neste tempo; pois isto retardará e estorvará a obra em que o Senhor quer que a mente de nossos irmãos se concentre agora. Não agitemos questões que revelarão assinalada diferença de opinião, mas tiremos antes da Palavra as verdades sagradas referentes às vigentes reivindicações da lei de Deus. Nossos pastores devem buscar apresentar a verdade da maneira mais favorável. Falem todos, o quanto possível, a mesma coisa. Sejam os discursos simples, e tratem de assuntos vitais que possam ser facilmente compreendidos.” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 167).
Como nós podemos distinguir entre verdades probantes e assuntos que não devem ser considerados como tais?
Em primeiro lugar, uma verdade probante deve conter um claro “assim diz o Senhor” para ser caracterizada como tal. Não podemos fazer de um tópico sobre o qual a Palavra de Deus é silente ou permite a liberdade uma verdade probante—“sem discutir assuntos controversos” (Romanos 14:1, NVI).
Em segundo lugar, também me parece lógico que nós não deveríamos fazer uma verdade probante de um assunto sobre o qual a profeta de Deus para o tempo do fim foi silente, salvo por três encorajamentos de que mulheres, assim como os homens, poderiam ocupar a função pastoral, ministerial e sacerdotal.
Em terceiro lugar, nós não podemos fazer uma verdade probante de um tópico sobre o qual estudantes sinceros da Bíblia diferem ao mesmo tempo em que compartilham a crença nas grandes verdades doutrinárias das Escrituras, como o Sábado, o Santuário, a Segunda Vinda, as Três Mensagens Angélicas, entre muitas outras.
O ponto crucial é esse: a Bíblia não comanda nem proíbe expressamente a ordenação de mulheres. As Escrituras não contém nenhuma declaração explícita, explanação ou mandato com relação a este assunto, nem contra e nem a favor. E é precisamente por este motivo que a Igreja deve abster-se de ditar uma regra universal sobre esta questão. Esta não é uma questão de ortodoxia doutrinal, nem tampouco uma questão de um imperativo moral, a saber, ordenar ou não ordenar mulheres. Portanto, isto não deve se transformar numa questão de teste que determinará nossa interação.
Onde as Escrituras não emitem um comando, nós também não devemos emitir. Nós simplesmente não podemos traçar uma linha na areia onde as Escrituras não traçaram. Nós deveríamos prezar pelo máximo de liberdade e mínimo de restrição em assuntos que não envolvem heresia ou pecado. A ordenação de mulheres é simplesmente uma destas questões sobre a qual nós devemos dizer: “Cada um deve estar plenamente convicto em sua própria mente” (Romanos 14:5, NVI), e isto inclui as mulheres. O problema que nós estamos enfrentando neste momento — e um problema sério — é que a questão da ordenação está sendo passada como uma verdade probante que determinará a fidelidade de alguém às Escrituras.
Um simples exercício hipotético ajudará a colocar esta questão em perspectiva.
Proponha a si mesmo a seguinte questão: “se a Conferência Geral decidir autorizar a ordenação de mulheres, você removeria a sua afiliação da Igreja Adventista do Sétimo Dia”?
Se a sua resposta for “não, é claro que não”, então de alguma forma você compreende que esta não é uma questão moral e nem uma verdade probante.
Em contrapartida, proponha agora a seguinte questão: “se a votação da Conferência Geral decidisse adotar o domingo como dia de guarda em lugar do sábado, você removeria sua afiliação e se separaria da Igreja?”
A maior parte dos Adventistas do Sétimo Dia biblicamente orientados diria: “Sim, eu me desligaria.”
Aqui está o ponto: a maioria de nós compreende corretamente que existe assuntos de ortodoxia doutrinal e imperativos morais, de um lado, e também questões de opinião pessoal e convicção, de outro. A ordenação de mulheres claramente cai na segunda categoria pela pura ausência de suporte bíblico em qualquer das direções.
No debate atual, contudo, nós somos confrontados por uma insistente afirmação de que a ordenação exclusivamente de homens é uma questão de ortodoxia doutrinal e um imperativo moral.
Em uma apresentação após a outra, tanto escritas quanto orais, nós somos ditos que ao permitirmos a ordenação de mulheres estaremos sendo infiéis às Escrituras. Estamos sendo ditos que nós deveríamos votar e garantir o cumprimento de uma regra universal contra a ordenação de mulheres dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia mundial, ou deixar de seguir a Bíblia.
Por favor, ouça isso:
Colocar a questão desta maneira é extremamente perigoso para a unidade e a missão da Igreja e ameaça causar um dano severo ao nosso testemunho para o mundo!
E enquanto a ordenação de mulheres não pode ser demonstrada pelas Escrituras como uma violação moral ou doutrinária, dividir a igreja de Deus por causa de uma questão como essas o é. E se alguém exerce a sua influência de uma maneira que contribua para polarizar a Igreja sobre assuntos que carecem de um claro mandato bíblico, isto certamente é um pecado contra o corpo de Cristo.
Alguns, sentindo que realmente não haja nenhum mandato bíblico contra ou a favor da ordenação de mulheres, recorreram ao desencadeamento de medo com argumentos extra-bíblicos que tentam enquadrar esta questão como se fosse uma de ordem moral. A mais destacada dentre estas declarações é:
A ordenação de mulheres levará à ordenação de homossexuais.
Em primeiro lugar, não existe nenhuma conexão entre ser uma mulher e ser um homossexual.
Em segundo lugar, o argumento se baseia numa falsa premissa. Começando com a pressuposição de que a Bíblia determina que apenas homens possam ocupar a posição pastoral ordenada, argumenta-se que a ordenação de mulheres requer um método liberal de interpretação bíblica (como a alta crítica), abrindo então as portas da Igreja para reinterpretar liberalmente outros ensinamentos bíblicos, como o que a Bíblia diz sobre homossexualidade.
Se esta pressuposição estivesse correta, então, sim, ordenar mulheres seria um movimento perigoso. Contudo, como nós acabamos de descobrir, esta premissa é falsa. A Bíblia não proíbe a ordenação de mulheres. Por outro lado, a Bíblia claramente condena a prática homossexual. Portanto, não é necessário adotar uma hermenêutica bíblica liberal para aceitar a ordenação de mulheres. Tudo o que se necessita é de uma sólida, equilibrada e conservadora leitura das Escrituras! De fato, conforme já vimos, para “provar” que a Bíblia proíbe a ordenação de mulheres é necessário um método de interpretação hermenêutico que só não pode ser considerado conservador.
Proibir a ordenação de mulheres como uma salvaguarda contra a ordenação de homossexuais essencialmente significa evitar aquilo que é legítimo para evitar aquilo que não o é. Nós precisamos traçar uma linha onde ela é necessária, e não onde ela não é. Nós não proibimos o consumo de trigo como uma precaução contra o consumo de uísque. Nós não proibimos o ganho de dinheiro como uma precaução contra a ganância e o materialismo. Nós não proibimos sexo no casamento como uma precaução contra o adultério. Nós proibimos o que realmente é proibido, e não fabricamos regras humanas que vão além disso.
Na verdade, ao nos abstermos de criar restrições desnecessárias, nós fortalecemos nossa influência e credibilidade diante do mundo ao qual somos chamados para ganhar para Cristo, como Paulo nota em 1 Coríntios 9:19-23. Ao ceder cada centímetro de chão que nós podemos sem comprometer a verdade, nós mostramos que somos razoáveis e de mente aberta, de maneira que quando nós tivermos que traçar uma linha sobre um imperativo moral, isto será levado a sério. Alternativamente, nós perdemos autoridade moral quando recorremos a extremos e emitimos mandatos que vão além do que está escrito nas Escrituras. Nós não reforçamos nosso posicionamento de fidelidade às Escrituras assumindo posições extremas em uma direção para nos proteger de uma potencial posição extrema numa direção oposta. Um extremo não corrige o outro − ao contrário, um tende a alimentar o outro.
Então, para onde vamos daqui?
Considerando o fato de que nós não temos uma única passagem da Bíblia ou declaração do Espírito de Profecia que articule a ordenação exclusivamente de homens como uma matéria de ortodoxia doutrinária ou como um imperativo moral, como, então, em boa consciência, podemos impor uma regra universal contra algo que a Palavra de Deus não condena?
A Igreja de Deus não necessita de extremos, nem para a direita e nem para a esquerda, para definir e ditar o caminho à nossa frente. Nós precisamos ser guiados pelo pensamento bíblico racional, equilibrado e sólido. Com base nas evidências à nossa frente, seria irresponsável e imprudente votar numa regra universal contra a ordenação de mulheres. Em uma igreja mundial com milhões de membros, a única coisa racional e benéfica que podemos fazer é permitir que cada Divisão decida o que for o melhor para o seu campo de trabalho.
A esta altura, já não importa tanto o que você e eu preferimos com relação à ordenação. Ao contrário, a questão agora é: estamos nós dispostos a dividir a Igreja de Deus sobre esta questão?
APELO
Como Adventistas do Sétimo Dia, nós possuímos um elevado chamado profético de pregar o evangelho eterno a toda nação, tribo, língua e povo da Terra. Deus nos deu uma mensagem que, centralizada em Cristo, tem o potencial de pintar ao mundo uma imagem do maravilhoso caráter de Deus jamais vista. Por que nós distrairíamos a nossa atenção desse chamado vital e dividiríamos a Igreja de Deus sobre um assunto que não tem lugar nos parâmetros da mensagem que Deus nos deu?
Portanto…
Se você for um delegado para a Sessão da Conferência Geral de 2015, por favor, vote SIM para permitir que cada Divisão, individualmente, decida por ordenar ou não mulheres em seu território.
Ao votar SIM, você estará se posicionando a favor do impedimento da divisão da Igreja sobre um assunto que não constitui uma verdade probante.
Ao votar SIM, você estará votando na abstenção da criação de restrições que vão além daquilo que está escrito na Palavra de Deus.
Ao votar SIM, você estará afirmando a liberdade do Espírito de Deus em lidar com Seu povo da maneira que Lhe agradar.
Quão trágico e triste nos seria permitir que nossa amada Igreja fosse dividida por um assunto sobre o qual membros fiéis e leais à Bíblia divirjam em boa consciência. Neste assunto, honremos uns aos outros aplicando a antiga máxima Cristã:
“Naquilo que é essencial, unidade; naquilo que não é essencial, liberdade; em tudo, o amor.”
Ty Gibson
Ty is a speaker/director of Light Bearers. A passionate communicator with a message that opens minds and moves hearts, Ty teaches on a variety of topics, emphasizing God’s unfailing love as the central theme of the Bible. Ty and his wife Sue have three adult children and two grandsons.